O Rock Gospel no Brasil está passando por um vendaval, e isso é evidente pela saída em massa de bandas e artistas amplamente reconhecidos no meio. Da banda Resgate à Catedral, o que diabos aconteceu para todos pularem do barco?
Sabemos que esse assunto é complexo de entender, com “escamas nos olhos e na mente”, como diria a turma do Fruto Sagrado. Mas se liga: no início, o “Gospel” era sinônimo de música cristã criativa e contemporânea, uma forma moderna de levar os princípios do Evangelho à sociedade, principalmente para a galera jovem da época. Mas com o tempo, tudo isso tomou um rumo bizarro e acabou se tornando um mercado dominado por ministérios de louvor ligados pelo cordão umbilical às igrejas que abraçaram, por exemplo, a tal teologia da prosperidade. É, as coisas mudaram do vinho para a água da Cedae servida aos cariocas.
Na prateleira do que já foi um movimento e agora se tornou um segmento de mercado, você encontra desde óleo ungido afrodisíaco até vassouras de piaçava, vendidas para limpeza espiritual, pela bagatela de mil reais (cada).
Em meio a essa transformação, que deixou a barata de Kafka no chinelo, líderes religiosos respeitados, como Caio Fábio, Ariovaldo Ramos e Ricardo Gondim, publicam desabafos sobre a metamorfose surreal do movimento evangélico brasileiro. Gondim, em particular, expressou sua frustração, destacando seu incômodo com o uso de versículos do Antigo Testamento, originalmente direcionados a Israel, para vender ilusões àqueles que buscavam alívio nas igrejas. Para ele, isso se tornou uma espécie de “propaganda enganosa”. (Você pode encontrar os três desabafos lidos pelo pastor Ed René Kivitz no YouTube).
Na cena musical, a banda Catedral, no auge de sua carreira, demonstrou coragem e liderança ao romper com o rótulo em suas obras em 1999. Em uma entrevista icônica concedida à Rádio Melodia (2001), afirmaram com firmeza: “Nós não somos mais uma banda Gospel”. Esse chute no pau da barraca teve um impacto profundo, abrindo e fechando portas para bandas subsequentes, como Palavrantiga, Tanlan, Aeroilis e outras mais recentes da cena underground associadas ao “pseudo selo” Se Vira Music, cujo site estampa uma ironia sutil: “Aqui, toda banda de Rock Gospel com defeito de fábrica e sem garantia é bem-vinda.”
Zé Bruno, da banda Resgate, testemunhou de perto o nascimento e a triste mutação do movimento musical gospel. Recentemente, ele fez uma declaração enfática que chocou os desatualizados: “Não sou evangélico! O movimento evangélico brasileiro possui um pensamento e uma cosmovisão que eu não tenho.” João Alexandre, outro nome notório pelo nicho, brincou com humor: “Tem gente que acredita em RÉ maior profano e MI menor divino. Eu não tenho essas coisas.” Rodolfo Abrantes, em entrevista ao site UOL, foi ainda mais direto: “Eu fujo completamente do rótulo de artista Gospel, isso é de matar. Cantor Gospel, pelo amor de Deus.” A lista de artistas em fuga é longa.
Apesar de tudo isso, alguns ainda abraçam o termo com paixão, buscando ressuscitar bandas e recriar sua cena em laboratórios. Porém, resta a dúvida: é possível realmente retornar às origens desse movimento, ou a transformação que testemunhamos é irreversível?
Texto de Miguel Biasolli ( miguelbiasolli1@gmail.com ).
Nota da Redação
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